O
romancista Benedito Ramos presenteia-nos com um livro que leva o leitor aos
lugares, ainda hoje, esquecidos, ou não vistos pelo Brasil. Até parece um outro
país dentro do nosso. Mas não é. É o Brasil que eu conheço tão bem. O Brasil
representado na lágrima de uma mulher, no ato do estupro, que obriga a própria
vítima a ficar calada para não ser vista como culpada ou até mesmo perder a
vida. E isso não acontece apenas nos confins do Estado de Alagoas, cujo lugar
serve de cenário para o romance.
A
menina tinha ficado calada sem coragem de contar-lhe o que aconteceu (...) Ele
a dominou, a deitou na pedra quente, daquela manhã, e a estuprou. Depois tirou
o revólver da cintura e a ameaçou. – Se contar
você morre (...) Você andou se enxerindo pra banda dele? – Eu não, mãe, eu
nunca nem olhei para ele (...) Oh! Mãe eu não tive culpa. Tentei correr.
Gritei. Chorei (...) Chore não minha filha que Deus é grande. Rapariga é que
você não vai ser. Eu prometo (pp. 31,32).
Água de chocalho
é um barulhento gritar de palavras dentro do nosso peito ao ouvir as vozes
esquecidas ou não ouvidas de um povo. E palavras gritam, falam e fazem
denúncias. Pois palavras não são apenas palavras quando, aos olhos de um leitor
atento, percebe que a arte leva-nos a refletir diante das diversas mazelas
vividas por uma nação, por uma época, num processo sócio-histórico. Doído é
saber que no Brasil o sócio- histórico,
representado pelas personagens desse livro, já faz mais de 500 anos, e continua
até aos dias de hoje.
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Capa do livro |
E
as personagens que compõem Água de Chocalho
sentem um desejo enorme de gritar, de falar, de serem ouvidas. Mas quem irá
ouvi-las? Quem?
O
romance de Benedito Ramos vai além da ficção, sem deixar de ser, é um registro
artístico-cultural das variedades linguísticas do nosso idioma que,
linguisticamente, é um dos mais ricos do mundo. É possível perceber que o autor
se preocupa em reproduzir a cultura daquele povo, daquele lugar fictício, e tão
real, através do falar de cada pessoa, ali, na ponta da língua de cada
personagem, e no decorrer da própria narrativa.
O
cenário de Água de Chocalho aparece
para dizer ao seu leitor que o coronelismo continua tão forte e tão vivo no
Estado de Alagoas, assim como o voto do cidadão e da cidadã que parece não ter
nenhum valor, ou seja, é a arte rompendo fronteiras para dizer ao mundo que a
corrupção na política brasileira se faz presente e existente não apenas em
Brasília, mas, e principalmente, nos lugares mais desprovidos de educação. E o
menos favorecido continua sendo mandado por quem detém o poder.
Era
terra de Coronel Honório Paes, e isso o próprio fazia questão de avisar,
mandando seus capangas guardarem o passadiço ou apregoar que a qualquer momento
fechava o arame. Era uma humilhação para quem se fazia coronel ter, também, de
precisar daquela água para sua família (...) E pelo mesmo motivo que Deusdete
chorava na cozinha enquanto mexia umas favas secas numa panela rota (P.15).
Já
na política, o voto vale um quilo de farinha ou uma moradia qualquer. E isso
deixa claro que a fome em muitos lugares do nosso Brasil tem todo um
significado.
O
maior problema de Honório Paes não era eleger Chico Tibúrcio, mas encontrar a
quantidade de vereadores para cumprir o quórum do munícipio. No caso do
prefeito foi mais fácil, porque Nô Batista, devidamente orientado por Honório,
registrou-se num partido de oposição. Seria o concorrente laranja para permitir
a legalidade do sufrágio (...) O resto foi buscar em outros munícipios, dando
casa e comida até a vitória do candidato (pp. 67,68).
Benedito
Ramos constrói a sua narrativa num cenário e com personagens tão vivos e tão
reais para quem conhece um pouco da realidade brasileira. Sim, é sabido que
ficção é ficção, mas, por outro lado, a arte existe para fazer com que muitos
vejam o que parece visível e, ao mesmo tempo, tão invisível aos olhos da grande
maioria.
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Foto do autor: Benedito Ramos |
O
livro é repleto de essência poética, que nos leva do início ao fim através da
leitura, fazendo-nos esquecer que o tempo passa, pois o tempo, no momento em
que estamos lendo Água de Chocalho,
torna-se mais precioso.
Ler
Agua de Chocalho, fez-me lembrar e
relembrar a minha infância e adolescência no interior do Estado de Alagoas.
Aquela infância com os pés descalços pisando na terra seca. Aquela infância e
adolescência que presenciaram, nas épocas eleitorais, políticos levando um
quilo de feijão para comprar votos. E, aqui, se faz presente na narrativa desse
romance que eu tive a honra de receber de presente um exemplar do próprio autor.
Merecidamente, Água de Chocalho é um livro premiado.
Em 2011 ganhou o prêmio LEGO de Literatura, em Alagoas. Foi publicado pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos:
EDUFAL, 2013. Também faz parte de uma
trilogia, conforme o texto que compõe as orelhas: “Água de Chocalho é o segundo livro da ‘Trilogia Querenciana’, que se inicia a partir de ‘Doce de mamão macho’, publicado em
2006”. E de acordo com o autor, o terceiro em breve estará pronto.
Agora,
cabem a vocês, amigo leitor e amiga leitora, que ainda não leram uma obra de
Benedito Ramos...
... Água de Chocalho será um excelente
começo.
Adenildo
Lima
Informações adicionais:
Autor: Benedito Ramos
ISBN: 9788571777040
Edição: 1
Ano: 2013
Páginas: 146
Disponibilidade: Em estoque
Preço: 25,00
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