quinta-feira, 30 de maio de 2019

Lucas Bueno e Paulo César Feital cantam uma nação entre a dor e a esperança


Depois do primeiro álbum solo, Tinto, que saiu pela gravadora Fina Flor, em 2016, Lucas Bueno lança o segundo, Lágrimas, pela gravadora Warner Chapell Music, 2019; agora, em parceria com o renomado compositor Paulo César Feital. O álbum é composto por dez faixas, todas de autoria de Paulo César Feital e Lucas Bueno, sendo que duas delas têm parcerias póstumas com o eterno bamba João Nogueira, o jongo ‘Setembrina’, e o baião ‘Pão com Goiabada'. E conta também com as vozes das ilustres participações especiais de Nina WirttiMoyseis Marques, Claudio Nucci, Soraya Ravenle e Vidal Assis; sem esquecer, é claro, dos diversos músicos que compõem a harmonia instrumental.

Foto: Divulgação

O álbum ‘Lágrimas’ discorre, metaforicamente, sob os mais de quinhentos anos da história brasileira. De um lado, a dor de grande parte da população, representada no título. Sim, de uma população que chora por não ter o que comer, por não ter direito à saúde e educação dignas para manter a sobrevivência. Mas, por outro lado, é possível perceber o sorriso repleto de esperanças estampado no olhar dessas pessoas que, mesmo diante de dores e mazelas, não perdem a vontade de lutar. E isso é transmitido por meio do ritmo festejo de algumas canções, como fica visível na letra do ‘Samba pra Darcy Ribeiro’: Gosto é de jogar pelada / De abraçar meus companheiros / Tenho a alma enamorada / Como a de Darcy Ribeiro / Tenho um samba da pesada / Da Mangueira, do Salgueiro / Na Portela, Mocidade / Eu sou Brasileiro". Ou seja, Darcy Ribeiro, como sabemos, é um dos brasileiros mais ilustres que temos na história do Brasil, e dedicou a sua vida para a conquista de uma nação onde cada cidadão e cidadã tivesse os mínimos direitos assegurados, por isso essa ilustre homenagem, porque é preciso “resistência em solo brasileiro”. E resistente ele foi até os últimos momentos de sua existência.

E, como sabido, a arte é uma forma de resistência. E nunca é descabido visitar e revisitar outros artistas; aliás, vejo sempre como um ato de inteligência o diálogo feito num trabalho artístico com outros nomes, como esses citados nas letras do álbum ‘Lágrimas’, artistas de suma relevância no cenário brasileiro que descem e sobem as veredas de Guimarães Rosa, assim como discorrem sob os versos de Ariano Suassuna, no Auto da Compadecida, e se sensibilizam na poesia exposta no olhar das ‘Colombinas de Vila Mimosa,’  Que banham o sexo com leite de rosas / Nascem sem nada, / Vendidas na estrada, / Nos guetos, vielas, / favelas e dunas”. Afinal, o fazer artístico é uma síntese fotográfica, um registro dentre metáforas da história de uma nação, ao caminhar por meio da linguagem poética. O que faz despertar em alguns o desejo de resistir, de não deixar os sonhos morrerem diante de algumas arbitrariedades impostas por quem detém o poder.

E esses dois compositores e intérpretes fazem isso muito bem aqui nesse trabalho musical, num diálogo envolvente com diversos artistas, quer sejam nas parcerias, nas participações ou nas citações.

Por isso, o trabalho musical dos artistas mostra um feito conseguido por poucos, onde o resultado final se completa em harmonia e composição, isto é, letra, melodia e arranjo. Lucas Bueno que, no primeiro álbum já mostrou o seu estilo, apresenta-se aqui numa sintonia onde, aos poucos, vai se consagrando como cantor e compositor, porque, ao fazer parceria com Paulo César Feital – compositor com canções gravadas por artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento, Alcione, dentre outros –, só tem a acrescentar, ao fundir estilo e experiência. E este álbum, em especial, apresenta-se com um teor mais crítico no sentido social, histórico e político do que Tinto, seu primeiro álbum solo, ou seja, resultado da parceria com Paulo César Feital.

Foto: Divulgação

Portanto, é importante ressaltar que o álbum ‘Lágrimas’ não é um trabalho com objetivos de levantar bandeira político-partidária. Não, não é. Aliás, é possível perceber que tem sim um teor crítico muito forte nas letras, como supracitado. Mas o que é a arte se lhe faltar isso? Diria que um objeto jogado ao mundo sem essência humana. E, ainda mais, acrescento, o que é o ser humano sem senso crítico? Nada mais nada menos do que um fantoche. Por isso, é preciso e se faz necessário cantar a dor de um povo, mas sem esquecer o sorriso esperançoso no olhar de cada um que acredita ser possível vencer; pois, “Cabe a nós, / Os filhos dessa Mãe Gentil / Mudarmos o futuro atroz / Da Alma do Brasil!”

Enfim, como foi descrito no decorrer desse texto, ‘Lágrimas’ é um trabalho musical bem festejo, é até possível que se o ouvinte não for bem atento passe despercebido diante do teor crítico da obra como, por exemplo, a música ‘É foda’, ela é dançante, festeja e nos leva a sentimentos de comemorações, mas se observarmos bem a letra vamos perceber que existe uma crítica contundente, principalmente referente aos últimos anos vividos no Brasil:  É foda, é foda / Pensar tá proibido, meu irmão /  É foda, é foda /  Assassinaram a Constituição.”, isto é, em um país onde um ministro da Suprema Corte diz que as decisões do Supremo Tribunal Federal precisam ‘corresponder aos sentimentos da sociedade’, ou seja, não podem ser contrárias ao clamor popular, chegamos à conclusão, infelizmente, que a Carta Magna, nos momentos atuais, é apenas um texto qualquer, e isso nos leva a concordar que ‘assassinaram a Constituição.’


Mas, antes que eu esqueça, quero destacar aqui a parceria póstuma com João Nogueira, na música ‘Pão com Goiabada.’ Ao meu ponto de vista, ficou perfeita, a letra é criteriosamente bem trabalhada, e o resultado final como música é, sem sombra de dúvida, um clássico, assim como qualquer um outro da Música Popular Brasileira. Vale muito a pena ouvir e apreciar o trabalho desses dois artistas.

Aliás, estamos esperando o quê? Pois o álbum ‘Lágrimas’ está disponível em diversas plataformas digitais.

Avante...

quinta-feira, 9 de maio de 2019