domingo, 30 de junho de 2019

Bruna

A inteligência e a capacidade de lutar de uma pessoa não se provêm do seu tamanho, disse ela, e em seguida acrescentou, sim, é claro, vão ter pessoas discordantes, mas nem todo mundo é provido de sensibilidade humana, por isso chega à certas conclusões; e não me venham com isso ou aquilo querendo justificar atos inumanos por parte de alguns. Não, não me venham pois não tenho tempo para barbaridades.
Fonte da imagem: https://www.procomum.org/2017/05/10/breve-reflexao-sobre-o-comum-e-as-organizacoes-do-seculo-21/
Enfim, é sabido que com o avanço das redes sociais, isto é, da internet de uma forma geral, todo mundo se sente no direito de opinar e, muitos, colocam para fora o monstro que nem mesmo as pessoas conviventes com elas sabiam que existia.

Vivemos em tempos frios, calculistas e sem poesia, refletiu...

Mas não é por isso que vamos abaixar a cabeça e permitir que o verme no esgoto cresça e seja capaz de sufocar a essência da flor que, ali ao lado, parece adormecida. Hoje, nesses tempos de liquefação é até difícil diferenciar as máquinas do ser que se diz humano. E, por outro lado, sabemos que elas, as máquinas, estão se tornando seres vivos; ou seja, estão nos confundindo que têm mais essência do que o próprio indivíduo de carne e osso.

Agora que o esgoto existe e é real, todo mundo sabe, disse...

Sim, todo mundo sabe que mães e pais e crianças diante do desespero sem terem o que comer adentram mares e enfrentam as ondas que choram suas lágrimas e gritam suas dores em plena madrugada diante de corpos, muitas vezes, misturando-se com as águas por não terem suportado a travessia;
Talvez você ainda não tenha percebido, mas o século 21 está desprovido de humanidade, concluiu ela.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Meu livro sobre meio ambiente para educação infantil



SAIBA MAIShttps://www.livrariadagente.com.br/produto/64303/o-copo-e-a-agua

Água de chocalho

O romancista Benedito Ramos presenteia-nos com um livro que leva o leitor aos lugares, ainda hoje, esquecidos, ou não vistos pelo Brasil. Até parece um outro país dentro do nosso. Mas não é. É o Brasil que eu conheço tão bem. O Brasil representado na lágrima de uma mulher, no ato do estupro, que obriga a própria vítima a ficar calada para não ser vista como culpada ou até mesmo perder a vida. E isso não acontece apenas nos confins do Estado de Alagoas, cujo lugar serve de cenário para o romance.

A menina tinha ficado calada sem coragem de contar-lhe o que aconteceu (...) Ele a dominou, a deitou na pedra quente, daquela manhã, e a estuprou. Depois tirou o revólver da cintura e a ameaçou.  – Se contar você morre (...) Você andou se enxerindo pra banda dele? – Eu não, mãe, eu nunca nem olhei para ele (...) Oh! Mãe eu não tive culpa. Tentei correr. Gritei. Chorei (...) Chore não minha filha que Deus é grande. Rapariga é que você não vai ser. Eu prometo (pp. 31,32).

Água de chocalho é um barulhento gritar de palavras dentro do nosso peito ao ouvir as vozes esquecidas ou não ouvidas de um povo. E palavras gritam, falam e fazem denúncias. Pois palavras não são apenas palavras quando, aos olhos de um leitor atento, percebe que a arte leva-nos a refletir diante das diversas mazelas vividas por uma nação, por uma época, num processo sócio-histórico. Doído é saber que no Brasil o sócio- histórico, representado pelas personagens desse livro, já faz mais de 500 anos, e continua até aos dias de hoje.
Capa do livro Água de chocalho

E as personagens que compõem Água de Chocalho sentem um desejo enorme de gritar, de falar, de serem ouvidas. Mas quem irá ouvi-las? Quem?

O romance de Benedito Ramos vai além da ficção, sem deixar de ser, é um registro artístico-cultural das variedades linguísticas do nosso idioma que, linguisticamente, é um dos mais ricos do mundo. É possível perceber que o autor se preocupa em reproduzir a cultura daquele povo, daquele lugar fictício, e tão real, através do falar de cada pessoa, ali, na ponta da língua de cada personagem, e no decorrer da própria narrativa.

O cenário de Água de Chocalho aparece para dizer ao seu leitor que o coronelismo continua tão forte e tão vivo no Estado de Alagoas, assim como o voto do cidadão e da cidadã que parece não ter nenhum valor, ou seja, é a arte rompendo fronteiras para dizer ao mundo que a corrupção na política brasileira se faz presente e existente não apenas em Brasília, mas, e principalmente, nos lugares mais desprovidos de educação. E o menos favorecido continua sendo mandado por quem detém o poder.

Era terra de Coronel Honório Paes, e isso o próprio fazia questão de avisar, mandando seus capangas guardarem o passadiço ou apregoar que a qualquer momento fechava o arame. Era uma humilhação para quem se fazia coronel ter, também, de precisar daquela água para sua família (...) E pelo mesmo motivo que Deusdete chorava na cozinha enquanto mexia umas favas secas numa panela rota (P.15).

Já na política, o voto vale um quilo de farinha ou uma moradia qualquer. E isso deixa claro que a fome em muitos lugares do nosso Brasil tem todo um significado.

O maior problema de Honório Paes não era eleger Chico Tibúrcio, mas encontrar a quantidade de vereadores para cumprir o quórum do munícipio. No caso do prefeito foi mais fácil, porque Nô Batista, devidamente orientado por Honório, registrou-se num partido de oposição. Seria o concorrente laranja para permitir a legalidade do sufrágio (...) O resto foi buscar em outros munícipios, dando casa e comida até a vitória do candidato (pp. 67,68).

Benedito Ramos constrói a sua narrativa num cenário e com personagens tão vivos e tão reais para quem conhece um pouco da realidade brasileira. Sim, é sabido que ficção é ficção, mas, por outro lado, a arte existe para fazer com que muitos vejam o que parece visível e, ao mesmo tempo, tão invisível aos olhos da grande maioria.
 
Benedito Ramos
O livro é repleto de essência poética, que nos leva do início ao fim através da leitura, fazendo-nos esquecer que o tempo passa, pois o tempo, no momento em que estamos lendo Água de Chocalho, torna-se mais precioso. 

Ler Agua de Chocalho, fez-me lembrar e relembrar a minha infância e adolescência no interior do Estado de Alagoas. Aquela infância com os pés descalços pisando na terra seca. Aquela infância e adolescência que presenciaram, nas épocas eleitorais, políticos levando um quilo de feijão para comprar votos. E, aqui, se faz presente na narrativa desse romance que eu tive a honra de receber de presente um exemplar do próprio autor.

Merecidamente, Água de Chocalho é um livro premiado. Em 2011 ganhou o prêmio LEGO de Literatura, em Alagoas. Foi publicado pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos: EDUFAL, 2013.  Também faz parte de uma trilogia, conforme o texto que compõe as orelhas: “Água de Chocalho é o segundo livro da ‘Trilogia Querenciana’, que se inicia a partir de ‘Doce de mamão macho’, publicado em 2006”. E de acordo com o autor, o terceiro em breve estará pronto.
Agora, cabem a vocês, amigo leitor e amiga leitora, que ainda não leram uma obra de Benedito Ramos...

... Água de Chocalho será um excelente começo.


Informações adicionais:

 Autor: Benedito Ramos
ISBN: 9788571777040
Edição: 1
Ano: 2013
Páginas: 146
Disponibilidade: Em estoque 
Preço: 25,00
Onde comprar o livro Água de chocalho:


Entrevista com o autor e mais informações sobre ele:

ENTREVISTA - 1ª PARTE


ENTREVISTA - 2ª PARTE


domingo, 16 de junho de 2019

Náusea pós-moderna

Este é o tipo de texto que dificilmente alguém vai lê-lo até o final na internet, pois ultrapassa 140 caracteres, isto é, todo o tempo que temos, hoje, favorecido pela tecnologia exige que tenhamos menos tempo, inclusive olhar o outro nos olhos e parar para escutá-lo, falta tempo. A cada dia que se passa a humanidade parece estar cada vez mais artificial; eu disse: parece, não afirmo nada. Nesta época vivida é até possível comprar amor pela internet. Como?! Alguém pode questionar com tom exclamativo. E eu responderei: pare e observe mais, pois os seus passos estão muito apressados!

Fonte da imagem: http://www.mac.usp.br

Vivemos em tempos individuais; vivemos! Mas isto não quer dizer que sejamos; e somos! O ser humano carrega em si o desejo individualista implícito. Tantas vezes vejo no olhar das pessoas a felicidade maldosa quando escuta do outro que não está bem. Por que será que existem felicidades assim?; se possamos chamar isso de felicidade. E o desejo de ter se faz presente cada vez mais no ser que chamamos de humano. E o desejo de ser cada vez mais desaparece.

Como falei no início, que dificilmente alguém faz a leitura completa de um texto que ultrapassa os 140 caracteres na internet; neste terceiro parágrafo já estou escrevendo sem saber se existe algum leitor. É possível que exista, sim. Mas vamos voltar ao que estávamos comentando. Falo comentando, pelo motivo de o texto ser um diálogo de quem escreve com quem vai ler, quando lido. E é isso que faço, procuro dialogar, muitas vezes com alguém que eu nem conheço. Este é o ofício de quem escreve, a solidão. Uma solidão satisfatória, cheia de graça, assim como o amor que é compartilhado sem nada cobrar.

Vivemos numa época tão caótica que ao sermos gentis, ao fazer algo bom para alguém, causa desconfiança. É importante que sejamos cautelosos. É importante que sejamos observadores, sim! Mas não podemos esquecer que flores têm espinhos, e o que é mais importante delas não são as pétalas e sim a essência. É de suma relevância não perdemos a sensibilidade. Precisamos beijar a pessoa amada com os mesmos lábios que beijamos o espelho. E não importa que seja por um momento apenas, pois a pena de quem ama é simplesmente amar.



Fonte da imagem: http://controversia.com.br


A correria louca e brusca que a sobrevivência exige não pode ser maior do que o ar que respiramos. Existe tempo para tudo: para amar, para sorrir, para brincar, para respeitar e para ser respeitado, para dormir e para acordar, para amar e para ser amado, para sentir e para ser sentido, para doar e para receber. Existe tempo para tudo, inclusive para morrer. Sim, não fique triste, amigo leitor; isto é, se existe um leitor, já que estamos, ou estou no quinto parágrafo. E talvez o tempo para morrer seja um dos mais importantes da nossa vida. Estranho, né?

É claro que é estranho!

Mas saiba que o mais importante da vida é que ela seja vivida...

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Resenha de Márcio Ahimsa sobre a obra A parteira

O poeta Márcio Ahimsa adentra a alma do livro 'A parteira' e lhe enobrece com um excelente texto:

“No sítio da lagartixa e do limão, ali onde mal sabiam o que era pão, a quem a pátria vomitou e, quando não mata no ventre, na vida” – Lima, Adenildo, A parteira, Editora da Gente, São Paulo, 2013.




É nesse cenário de fábulas onde a terra rachada vomita fogo em labaredas e revela suas veredas que nos deparamos com a essência humana na pele caricata de uma gente que constrói a vida pelo revés do mundo.

A parteira é uma obra concisa, estridente e real que nos mostra à tona de um povo emergindo de sua própria força, sua fé, sua esperança. Aqui, onde muitos já nascem no fim, a vida é um soslaio observando a gruta ao longe, como semente que vigora na tez de uma rocha.

A obra em si possui voz própria, a voz dos esquecidos, que é a voz de quem tem fome e não fala. Comparar a obra de Adenildo Lima com qualquer outra obra é um atrevimento, senão uma ofensa obliqua, pois se temos um caráter construtivo semântico intencional na obra de João Cabral de Melo Neto, ou com um cunho sócio psicológico proposto por Graciliano Ramos em “São Bernardo”, na pele do personagem Paulo Honório, que embrutece a alma, não temos em “A parteira” nada disso. Temos sim o menino Pedro com sua carência de brinquedo, temos a enxada latente cortando seu pé esquerdo na sinonímia de um tempo que ainda acontece na nossa contemporaneidade.


A parteira é um grito e um silêncio, é essa paradoxal verossimilhança da realidade de um país onde, de um lado é latente a dor escorrendo pelo esconderijo em tom vermelho do nosso agreste e, do outro, é como se fosse uma nódoa no tom de um conto de fadas onde se acredita em fantasias criadas, mas não se crê em verdades cruas. Para quem vive no centro ótico do mundo, o agreste, o ocre das capoeiras onde correm as crianças descalças e nuas atrás de um ópio que as tornem reais, qualquer cabra ou maracatu para espetar a dor da realidade, é apenas uma fábula ou história fantástica. Mas no leito dos extremos de uma nação, esteja ela em qualquer continente, os contos de fadas não maquiam a realidade. São verídicas as experiências de uma gente que caminha no revés da história.

Assim, a parteira é o silêncio que se faz ouvir na voz de uma gente onde um punhado de sal é a medicina, sem a charlatanice pregada nas igrejas, sem a filantropia que gera lucros.

Ali, onde Madalena é a mãe do menino abstrato, cheio de ginga e trato, é onde a realidade nos presenteia como ser existente, como ente que se faz presente na orla do ontem, como papel timbrado no prefácio do hoje do que um dia fomos, do que somos, do que ainda vamos descobrir ser.

Em “A parteira”, a mulher abre a serra e se cobre de terra. Se sente a síntese da vida. A parteira é Maria e ao mesmo tempo o enlevo da existência na sua tênue andança. É a agrura de um povo na busca de um arrebatamento: existir.

A obra “A parteira” é a primazia de um tempo de um existir humano onde grito e silêncio são sinônimos dentro de uma equação nunca exata. Pois existir não é simplesmente ser pedra. Existir sugere a mutação do tempo. Sugere ser a lâmina que decepa a própria vida e ao mesmo tempo a chama que acena para o viver.

Nessa obra o homem é assassino de si ao se permitir nascer. É filosoficamente uma catarse sobre a tragédia humana de existir. Quem constrói a realidade? O homem ou a própria realidade das coisas não passa de lembranças de um ser que morre e que, no fim, não é nada?

Nessa obra eu sinto o poeta nascendo pelos vales de sua própria palavra gritando os silêncios que nunca vem à tona, ou que estão sempre consigo amordaçados pelas sandálias que o calçam da nossa triste calçada de sonhos. 

Aqui, nesse cenário de orquestra, a vitrola era um vivo morto com os versos dessa poesia retrato onde João naufragou sem sintomas, de apenas desnutrição.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Um tributo ao poeta Ferreira Gullar


"O GNews Literatura recupera a trajetória do grande escritor maranhense, do espanto inicial da descoberta da poesia à busca pelo essencial dos últimos livros, passando por sua adesão à poesia engajada, o período no exílio e o rompimento com o passado comunista. Além de trechos de diversas entrevistas de Gullar ao longo das últimas décadas, programa traz depoimentos de críticos e amigos."