Depois do primeiro álbum solo, Tinto, que saiu pela gravadora Fina
Flor, em 2016, Lucas Bueno lança o segundo, Lágrimas, pela gravadora
Warner Chapell Music, 2019; agora, em parceria com o renomado compositor Paulo César Feital. O álbum é composto por dez
faixas, todas de autoria de Paulo César Feital e Lucas Bueno, sendo que duas
delas têm parcerias póstumas com o
eterno bamba João Nogueira, o jongo ‘Setembrina’, e o baião ‘Pão com Goiabada'.
E conta também com as
vozes das ilustres participações especiais de Nina Wirtti, Moyseis Marques, Claudio Nucci, Soraya Ravenle e Vidal Assis; sem esquecer, é claro, dos diversos
músicos que compõem a harmonia instrumental.
Foto: Divulgação |
O álbum ‘Lágrimas’ discorre, metaforicamente, sob
os mais de quinhentos anos da história brasileira. De um lado, a dor de grande
parte da população, representada no título. Sim, de uma população que chora por
não ter o que comer, por não ter direito à saúde e educação dignas para manter
a sobrevivência. Mas, por outro lado, é possível perceber o sorriso repleto de
esperanças estampado no olhar dessas pessoas que, mesmo diante de dores e
mazelas, não perdem a vontade de lutar. E isso é transmitido por meio do ritmo
festejo de algumas canções, como fica visível na letra do ‘Samba pra Darcy
Ribeiro’: “Gosto é de jogar pelada / De abraçar meus companheiros / Tenho a alma enamorada / Como a de Darcy Ribeiro / Tenho um samba da pesada / Da Mangueira, do Salgueiro / Na
Portela, Mocidade / Eu sou Brasileiro". Ou seja, Darcy Ribeiro, como sabemos, é um dos brasileiros mais ilustres que temos na história
do Brasil, e dedicou a sua vida para a conquista de uma nação onde cada cidadão
e cidadã tivesse os mínimos direitos assegurados, por isso essa ilustre
homenagem, porque é preciso “resistência
em solo brasileiro”. E resistente ele foi até os últimos momentos de sua
existência.
E,
como sabido, a arte é uma forma de resistência. E nunca é descabido visitar e
revisitar outros artistas; aliás, vejo sempre como um ato de inteligência o
diálogo feito num trabalho artístico com outros nomes, como esses citados nas
letras do álbum ‘Lágrimas’, artistas de suma relevância no cenário brasileiro
que descem e sobem as veredas de Guimarães Rosa, assim como discorrem sob os
versos de Ariano Suassuna, no Auto da Compadecida, e se sensibilizam na poesia
exposta no olhar das ‘Colombinas de Vila Mimosa,’ “Que
banham o sexo com leite de rosas / Nascem sem nada, / Vendidas na estrada, /
Nos guetos, vielas, / favelas e dunas”. Afinal, o fazer artístico é uma
síntese fotográfica, um registro dentre metáforas da história de uma nação, ao
caminhar por meio da linguagem poética. O que faz despertar em alguns o desejo
de resistir, de não deixar os sonhos morrerem diante de algumas arbitrariedades
impostas por quem detém o poder.
E
esses dois compositores e intérpretes fazem isso muito bem aqui nesse trabalho
musical, num diálogo envolvente com diversos artistas, quer sejam nas parcerias,
nas participações ou nas citações.
Por
isso, o trabalho musical dos artistas mostra um feito conseguido por poucos,
onde o resultado final se completa em harmonia e composição, isto é, letra,
melodia e arranjo. Lucas Bueno que, no primeiro álbum já mostrou o seu estilo,
apresenta-se aqui numa sintonia onde, aos poucos, vai se consagrando como
cantor e compositor, porque, ao fazer parceria com Paulo César Feital –
compositor com canções gravadas por artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento,
Alcione, dentre outros –, só tem a acrescentar, ao fundir estilo e experiência.
E este álbum, em especial, apresenta-se com um teor mais crítico no sentido
social, histórico e político do que Tinto, seu primeiro álbum solo, ou seja,
resultado da parceria com Paulo César Feital.
Foto: Divulgação |
Portanto,
é importante ressaltar que o álbum ‘Lágrimas’ não é um trabalho com objetivos
de levantar bandeira político-partidária. Não, não é. Aliás, é possível
perceber que tem sim um teor crítico muito forte nas letras, como supracitado.
Mas o que é a arte se lhe faltar isso? Diria que um objeto jogado ao mundo sem
essência humana. E, ainda mais, acrescento, o que é o ser humano sem senso
crítico? Nada mais nada menos do que um fantoche. Por isso, é preciso e se faz necessário
cantar a dor de um povo, mas sem esquecer o sorriso esperançoso no olhar de
cada um que acredita ser possível vencer; pois, “Cabe a nós, / Os filhos dessa Mãe Gentil / Mudarmos o futuro atroz /
Da Alma do Brasil!”
Enfim,
como foi descrito no decorrer desse texto, ‘Lágrimas’ é um trabalho musical bem
festejo, é até possível que se o ouvinte não for bem atento passe despercebido
diante do teor crítico da obra como, por exemplo, a música ‘É foda’, ela é
dançante, festeja e nos leva a sentimentos de comemorações, mas se observarmos
bem a letra vamos perceber que existe uma crítica contundente, principalmente
referente aos últimos anos vividos no Brasil: “É foda,
é foda / Pensar tá proibido, meu irmão /
É foda, é foda / Assassinaram a Constituição.”,
isto é, em um país onde um ministro da Suprema Corte diz que as decisões do
Supremo Tribunal Federal precisam ‘corresponder aos sentimentos da sociedade’,
ou seja, não podem ser contrárias ao clamor popular, chegamos à conclusão, infelizmente,
que a Carta Magna, nos momentos atuais, é apenas um texto qualquer, e isso nos
leva a concordar que ‘assassinaram a Constituição.’
Mas,
antes que eu esqueça, quero destacar aqui a parceria póstuma com João Nogueira,
na música ‘Pão com Goiabada.’ Ao meu ponto de vista, ficou perfeita, a letra é
criteriosamente bem trabalhada, e o resultado final como música é, sem sombra
de dúvida, um clássico, assim como qualquer um outro da Música Popular
Brasileira. Vale muito a pena ouvir e apreciar o trabalho desses dois artistas.
Aliás,
estamos esperando o quê? Pois o álbum ‘Lágrimas’ está disponível em diversas
plataformas digitais.
Avante...
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